
Ataque de pânico na psicanálise de Jacques Lacan
Uma forma irredutível sob a qual o Real se apresenta na experiência — é disso de que a angústia é sinal.
Jacques Lacan
Os ataques de pânico são episódios de intensa angústia que ocorrem muitas vezes sem motivação aparente. Podem se manifestar por meio de fantasias de morte (ex.: ataque cardíaco), de perda de consciência (ex.: desmaio) ou de perda de identidade. Na psicanálise, aborda-se esse fenômeno a partir da noção de "irrupção do Real", proposta por Jacques Lacan. Ou seja, quando algo que não pode ser nomeado e integrado na ordem simbólica se manifesta como angústia, de maneira abrupta e disruptiva.
O ataque de pânico é, para a psicanálise, uma situação em que a pessoa se vê forçada a confrontar aspectos de sua existência que escapam aos contornos de suas fantasias, da sua capacidade simbólica de explicação e do seu controle racional.
Para Lacan, o Real é um dos três registros que estruturam a experiência humana, juntamente com o Simbólico e o Imaginário. Enquanto o Simbólico diz respeito à linguagem e à Lei, e o Imaginário refere-se às imagens e às fantasias do sujeito, o Real diz respeito àquilo que está fora da simbolização e da representação. O Real é o que não pode ser capturado pela linguagem ou pela fantasia e que, no entanto, sempre retorna. É da ordem do impossível e do sem sentido, e tudo que isso comporta de traumático.
O que irrompe como Real está ligado, pois, às experiências traumáticas que não puderam ser colocadas em palavras, seja por falta de “trabalho psíquico”, seja pela impossibilidade última de uma simbolização completa. O trauma — que Lacan chama de furo do Real — reside fora do campo do significante, do alcance da palavra, e, quando tocado por situações específicas, pode desencadear uma resposta de pânico, uma vez que o sujeito é confrontado com algo que está além da sua compreensão, da sua lógica simbólica. Daí o seu carater desestabilizador.
Ao invés de tentar inutilmente eliminar o Real, a psicanálise lacaniana dá espaço para se falar sobre essas irrupções, respeitando a singularidade e a história de vida de cada um. Isso envolve uma investigação das manifestações do inconsciente do sujeito em busca da criação de novos significantes que permitam tomar uma outra posição frente a essas experiências, advertido dos limites da linguagem. Ou seja, na psicanálise, busca-se construir uma via de saída para uma posição passiva frente às fantasias que tentam proteger o sujeito contra o Real, passando a uma posição criadora, aberta ao inesperado. Afinal, a fonte da angústia e da criatividade é a mesma.
Nesse sentido, o psicanalista Jorge Forbes destaca que a responsabilidade pela própria singularidade, sem se apoiar em soluções prontas vendidas às pencas nas gôndolas digitais da contemporaneidade, é fundamental para se inventar algo novo e único para lidar com as irrupções do Real. É, afinal, reconhecer-se responsável mesmo por aquilo que de si mesmo se desconhece e não se controla.
A psicanálise lacaniana se coloca como uma alternativa a uma pretensa normalidade que serve para todos, e se instala na ética do desejo do um a um. É uma aposta para que o analisante possa lidar de uma maneira menos defensiva e mais criativa com as irrupções do Real, tornando-se capaz de sustentar suas invenções e sua esquisitice no mundo, mesmo diante do impossível.
Felipe Massaro. Psicanalista e doutor em Letras.
REFERÊNCIAS:
FORBES, Jorge. Inconsciente e responsabilidade. São Paulo: Editora Manole , 2010
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 23 O sinthoma, 1975-76. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: A angústia, 1962-1963. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
MILLER, Jacques-Alain. La experiencia de lo real en la cura psicoanalítica. Buenos Aires: Planeta, 2003.